segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Já nem me pergunto o que faço aqui…

Antes, ficava angustiado quando os meus olhos percorriam as cristas daquelas espumas que se precipitavam em abruptas grutas, onde a areia se misturava com a sombra e donde me era permitido o vislumbre de alguns dos meus medos, há muito escondidos.

Perguntava-me assim, ainda antes de me meter ao mar, como se já nem olhasse para a inevitabilidade daquela atracção.

E se por ali me vou? E se me magoou… a troco de quê?

A troco de quê? Vida, muita vida, sentes-te vivo, intensamente. Existirá algo mais?

De facto, quando lá estou, sinto-me vivo. O mar passa-me debaixo dos pés, ouço-o a segredar-me pequenas lições de vida. São os mortos, os sonhos desfeitos e as desilusões afogadas num mar de lágrimas mas também as esperanças de quem nem sabe o que procura, dos olhares contemplativos de quem repousa os olhos no horizonte e dos sorrisos das crianças, divertidas e ingénuas, a brincarem nas graves memórias lusitanas.

A alma lusitana precisa de mar, de regar os sonhos de maresia, crivar os cabelos de areia e saturar os olhos de sol e sal. Sinto-me vivo…

Falo comigo, com os meus, alguns já nem cá estão, e eles respondem-me, trazendo-me uma calma que só o amor pode trazer. O mar fala-me de amor, daquele que se vive e do que se perde. Das suaves alegrias e das brutas tristezas. Dos grandes, feitos crianças, e das tragédias arrancadas a ferros a estas gentes, que vivem e morrem do mar.

Se o mar calmo me relaxa, o bruto traz-me vida. Preciso do rugido das ondas que me puxam para trás e que me permitem ouvir o respirar dos velhos monstros que nos afligiam. O mesmo gemido que, de longe, avisava os nossos avós, quando, a olharem de frente para a inevitável tempestade, o estômago se lhes apertava. Acho que sei o que sentiam... o mar ensinou-me mas, tal como eu, sei que só se perguntavam “o que faço eu aqui?”, antes de lá se meterem. Depois, sentiam-se vivos, apenas.

Às vezes lembro-me de um enorme redemoinho que não consigo evitar. Não quero, mas não consigo deixar de espreitar. E, depois de espreitar, serei capaz de não saltar? Terei forças para recuar? O medo e o desejo invadem-me, ensopam-me a alma. Pingo de mar, antecipando o prazer, sinto-me como se já tivesse regressado do mais colossal dos abismos, mais velho de sonhos.
É então que viro as costas ao vento e dou a cara ao medo. Não sou eu, desapareço, “desligo o rádio”, silêncio… As coisas acontecem em câmara-lenta e eu estou lá, só lá.  Subo, a tábua canta, reconheço os seus sinais, ela vibra e ganha vida para nova descida. Tenho pena (às vezes é um alívio) de nem sempre ter coragem de lhe rasgar o focinho, de lhe meter o fino nas fuças, de lhe rasgar a cara. De me vingar de tudo…

Mas do mar não nos vingamos, agradecemos o regresso e a inspiração que nos proporciona. Uma inspiração feita, sobretudo, de sensibilidade e vulnerabilidade. E agradecemos por nos sentirmos vivos.

Obrigado

1 comentário:

  1. Não perguntes, simplesmente...vive!

    ELE colocou tudo ao nosso dispor, a parte mais dificil de viver...saber usufruir e agradecer!
    A tua alma parece estar cheia, a crescer. Continua a alimentá-la de sabedoria, paz e amor, sentir-te-ás o homem mais poderoso do mundo.

    Muita luz meu amigo.

    Bélinha

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