sábado, 1 de outubro de 2011

Acerca do sentimento de perda

Dizia-me uma amiga, sorrindo com graça, “vim a esta vida nua, sem dentes e sem dinheiro; nada tenho a perder”. Acho, hoje, que essa declaração encerra ainda mais sabedoria do que lhe encontrei antes.

Todas as experiências que nos ocorrem - tudo aquilo que fazemos, somos ou temos - são presentes, oferecidos pela vida, para honrar no presente.

De todas as experiências que a vida nos pode proporcionar, muito poucas poderão superar a do usufruto da presença dos outros, partilhando amor. É a presença dos outros que nos permite voar pela vida nas asas do amor. E a vida foi feita para voar, o mais alto que pudermos. Amar e viver em amor é o derradeiro presente da existência.

Mas... e a queda? E a tenebrosa perda de quem mais amamos?

Qual perda? Não existe tal. Só perde quem possuí e nesta vida as últimas coisas que podemos possuir é o amor e o Ser do outro. Foram-nos, ambos, oferecidos por um instante para que pudessemos experienciar o melhor que a vida tem para oferecer.

É um pouco como quando um amigo nos empresta o seu carro novo. Se formos amigos, devolvêmo-lo sorrindo depois do usufruto. Seria uma grande falta de gentileza devolvê-lo com o sentimento de perda...

Tudo nesta vida nos foi oferecido para desfrutarmos momentaneamente, tudo é impermanência. Gratidão e sentimento de perda, neste paradigma, dificilmente se harmonizam.

A morte e a vida são experiências que andam de mão dada. São a cara e a coroa de uma mesma realidade; quem vive, é certo (ou quase) que se irá relacionar, de uma maneira ou de outra, com a morte, que é o local onde tudo o que é desta vida se devolve. E tudo será devolvido, sabedoria é saber devolver, em virtude, na exacta altura em que formos chamados a tal.

E se a vida, antes de viver, me fizesse uma proposta? Vais usufruir da presença do Ser mais belo que uma Alma pode acompanhar, vais amar da maneira mais elevada que uma Alma pode amar, porém, podes vir a ser privado dessa presença muito antes de estares preparado. Estás pronto?

Não será esta a essência do amor? Não será este um dos jogos da existência? O de nos entregarmos à vida sem garantias nem segurança, aceitando a impermanência da existência eterna. Quando estivermos prontos para aceitar a impermanência da vida, estaremos prontos para aceder à eternidade das possibilidades infinitas, onde o amor é infinito e absoluto. E o amor tudo pode, mesmo...

Gosto de pensar que existe um propósito para tudo o que me acontece na vida e que tudo o que acontece encerra uma aprendizagem para ser usada em prol do nosso crescimento, em prol do desenvolvimento do amor.

Cresci a ouvir dizer que Cristo morreu por nós. Estou certo que sim, porém, acho também que todos os que me amaram, me sorriram, me tocaram, e partiram, morreram também por mim, por nós. Mais do que a sua partida, ficou de Cristo a sua obra, mais do que a perda, ficou dos meus, a sua presença. A presença é intemporal, só se afasta (e nunca para muito longe) quando perdemos a fé na sua eternidade e poder absoluto. A Alma é eterna.

Só consigo, ainda, encontrar um propósito no afastamento dos que se me vão; a do meu próprio desenvolvimento. É através do desejo de honrar a inspiração da sua presença que incorporo no mais profundo do meu Ser, tudo aquilo que me ensinaram, tudo aquilo que foram. Assim, continuam a viver em mim, imortalizando o amor.

Isto só se torna possível em profunda concentração no previlégio que constuituíu as suas presenças e só se torna viável através de uma atitude de profunda gratidão e gentileza para com os fugazes presentes da vida.

É a única aproximação que ainda consigo vislumbrar para o último patamar da descoberta humana, a de que a vida é perfeita como é.

Estranha coisa, esta da existência...

Take a moment

A evolução da forma - de Jalal ud-Din Rumi

Toda a forma que vês
tem seu arquétipo no mundo sem-lugar.
Se a forma esvanece, não importa,
permanece o original.
As belas figuras que viste,
as sábias palavras que escutaste,
não te entristeças se pereceram.
Enquanto a fonte é abundante,
o rio dá água sem cessar.
Por que te lamentas se nenhum dos
dois se detém?
A alma é a fonte,
e as coisas criadas, os rios.
Enquanto a fonte jorra, correm os rios.
Tira da cabeça todo o pesar
e sorve aos borbotões a água deste rio.
Que a água não seca, ela não tem fim.
Desde que chegaste ao mundo do ser,
uma escada foi posta diante de ti,
para que escapasses.
Primeiro, foste mineral;
depois, te tornaste planta,
e mais tarde, animal.
Como pode ser isto segredo para ti?
Finalmente foste feito homem,
com conhecimento, razão e fé.
Contempla teu corpo; um punhado de pó
vê quão perfeito se tornou!
Quando tiveres cumprido tua jornada,
decerto hás de regressar como anjo;
depois disso, terás terminado de vez com a terra,
e tua estação há de ser o céu.
Passa de novo pela vida angelical,
entra naquele oceano,
e que tua gota se torne o mar,
cem vezes maior que o Mar de Oman.
Abandona este filho que chamas corpo
e diz sempre Um; com toda a alma.
Se teu corpo envelhece, que importa?
Ainda é fresca tua alma.