domingo, 5 de dezembro de 2010

Newsletter

A todos aqueles com quem os nossos caminhos se cruzam,

Surgiu-me a ideia, com a ajuda de alguns que comigo se cruzavam, de criar esta pequena newsletter. É frequente, durante a participação num seminário ou numa vulgar conversa de café, dar por mim a tomar nota de citações ou de nomes de livros e autores para depois poder consultar as suas obras e constato que, nos vários seminários que organizo, existe igualmente um número significativo de pessoas com este mesmo interesse. Assim, porque não criar um espaço de partilha acerca das leituras que fazemos em que, através de pequenas citações dos autores, podemos dar pistas interessantes acerca das ideias que nos tocaram e, quem sabe, que poderão tocar nos outros.

Deixando desde já o desafio das vossas “sugestões” acerca de livros que ainda não li, tomo aqui a liberdade de deixar as minhas. Que a partilha do que vimos permita, aos outros, criar a sua própria visão do mundo.

Não quereria ir de férias sem cumprir o meu compromisso (aos meus amigos da Makro o devo) de lançar a minha primeira Newsletter em Julho e acho que encontrei um tema e autor adequado a esta tão esperada época do ano.

Gostaria de dar início a este espaço de partilha com referências ao nosso grande livre pensador que é Agostinho da Silva. Porque procuro nele (e sempre tenho encontrado) fonte de inspiração para o “aprender” (no saber e no viver de acordo com o que aprendo) e porque acho delicioso e oportuno, nesta altura de antecipação dos prazeres das férias, fazer referência ao seu conceito de “vida gratuita”, passo a citar…

Do Livro “As Aproximações”,  pág. 11

“O mais grave, porém, me parece ser que explícita ou implicitamente a condenação que lançam sobre a escravatura é uma condenação que lançam sobre o ócio. Quero eu dizer o seguinte: o que censuram no fundo é que um determinado grupo social tenha lançado sobre outro a obrigação de trabalhar, isto é, de assegurar a produção, reservando-se eles próprios tarefas de dirigentes que na maior parte dos casos podiam ser exercidas por amadores (…) e deixavam para a maior parte o tempo livre. Não se repara que foi exactamente esse tempo livre que possibilitou a realização de todas as grandes obras de que hoje se orgulha o mundo. Não foram homens esmagados de trabalho que compuseram música ou poesia, conceberam e executaram pintura e escultura, ou, num domínio que mais interessa para a solução do problema (da escravatura), fantasiaram a ciência que depois, transformada em técnica, contribuiria para progressivamente ir libertando o escravo. Não temos nada que abolir os escravos se isso significa que ninguém ficará com tempo livre para coisa alguma que não signifique assegurar a subsistência. O que temos é de inventar escravos que nos não ponham, trabalhando para nós, problemas de consciência. E os inventamos pelo sacrifício, consentido ou não, de milhares de homens em milhares e milhares de gerações: as máquinas que hoje temos à nossa disposição não são mais do que escravos de aço que só esperam que tenhamos mais um lampejo de inteligência, libertando-nos de sistemas económicos quase inteiramente superados, para os podermos utilizar a pleno rendimento.”

Ainda na pág. 13

“É talvez a mais grave, a escravatura a uma especialização exigida, por critérios de utilidade social, de homens, de seres humanos, criados para a infinita liberdade da totalidade das tarefas, para serem, dentro de seus limites de espaço e tempo, a fiel imagem, e a adorada imagem, da força, da possibilidade, da apetência infinita que os gerou.”

E ainda, num pequeno livrinho editado em 2006 que resulta de uma transcrição de algumas breves conversas com o Agostinho da Silva, gravadas em vídeo, e pelos vistos desconhecidas do grande público e que não resisti a passar-vos ainda esta breve e divertida passagem...

“A Alemanha vai ser, com o Japão, um dos dois grandes fornecedores ao mundo das ferramentas de que ele precisa, para quê meus amigos? Para deixar de ter essa preocupação estúpida de trabalhar, de passar a vida fazendo coisas de que não gosta, mas passar a vida fazendo apenas as coisas de que gostar. E eles vão, alegremente, cumprir essa obrigação, porque gostam disso. Alemão gosta de trabalhar, japonês gosta de trabalhar: coisa extraordinária. Tenho uma grande admiração por eles como os artistas do trabalho. Mas o que eu quero, então, é que deixem os portugueses, os africanos, os brasileiros, toda a gente que acha que há coisas na vida muito mais interessantes do que trabalhar, que eles fabriquem aquilo que é necessário para que nós possamos, se quisermos, nadar, mas sobretudo, se pudermos boiar, acho que será mais excelente que tudo. Não prego a virtude do Confúcio, senão para atingir Calecute. Depois o que eu prego, seguindo humildemente Camões, é as virtudes do Lau Tzu e do taoísmo, para passarmos a uma existência em que possamos ser totalmente, livremente, aquilo que mais gostaríamos de ser. Nada mais.”

Ora digam lá se isto não é uma delícia, tanto mais que ele refere e eu tanto gosto de acreditar “O Mundo acaba sempre por fazer o que sonharam os poetas." Assim seja, que ele faça, talvez aos filhos dos nossos filhos, o que este poeta por nós sonhou…

Bem hajam,

Sem comentários:

Enviar um comentário